Disabled Theater, de Jérome Bel & Theater Hora

Teatro João Caetano, centro do Rio de Janeiro, espetáculo Disabled Theater de Jérôme Bel. Este espetáculo é feito por atores, com deficiência intelectual, da companhia Suíça Theater Hora.

 

Enquanto aguardava começar o espetáculo, chegou um grupo de adolescentes com síndrome de down, animadíssimos, pensei: “se isso for uma previa do que vem por ai, a noite promete”…

 

Entram em cena, se apresentam, um de cada vez, Falavam a idade, que varia de 22 a 28, sendo um com 32 e outro com 44, e tipo de deficiência, a maior parte síndrome de down e dois altistas.

 

Após apresentação, cada integrante mostra suas habilidades dançando, em uma pequena apresentação, as coreografias foram feitas por eles e músicas também de livre escolha.

 

Observei uma tranquilidade no palco, eles se divertiam enquanto nos faziam rir e encantar.

 

Haviam várias coisas acontecendo no decorrer das apresentações, o casal de namorados, um carinho trocado, invejável, o hiperativo não parava quieto, tímidos, sérios, quando sentados olhando, mas um furacão quando começavam suas performances.

 

Tiveram momentos engraçados, performáticos, comoventes e todos colocados de forma não grosseira.

 

A plateia totalmente recíproca, e sempre interagindo com os atores e o mais interessante foi perceber que todo este retorno do público foi devido totalmente ao talento dos atores, e não ao fato de eles terem algum tipo de deficiência.

 

O que é ser normal? Se não falamos, pensamos, agimos, nos vestimos como a sociedade convenciona, nos rotulam como estranhos, esquisitos e todo tipo de coisas…

 

Somos todos diferentes por natureza, pois cada um é único, e estes atores, independentes do tipo e nível de deficiências que eles tenham, são como qualquer pessoa.

 

Respeitar e conviver com nossas diferenças, nos faz ser normal.

 

Então ser normal é ser diferente.

 

por Wania Marien

Disabled Theater é o título do novo trabalho de Jérome Bel, em livre tradução, teatro dos Inválidos/incapacitados. Bel continua sua linha de trabalho focada na apresentação e na não representação. Porém, agora sem um nome próprio intitulado a peça, sem um único apresentador/relator/a(u)tor, mas com um nome que reflete um coletivo, os atores especiais do teatro HORA de Zurich.

 

Especiais em muitos sentidos. Primeiro no sentido da palavra especial mais denotativo, daquilo que é diferenciado, em uma segunda acepção que se torna mais evidente, principalmente pelo fato da peça começar com cada ator permanecendo por aproximadamente um minuto cara a cara com toda a plateia, observando e sendo observados, sob um palco nu e ao som do silêncio, revelando assim, apenas por caminhar e se fixar num ponto do palco, sua corporeidade, seus traços, em alguns casos, sua timidez, seus desconfortos por estarem ali e por conseguinte suas alteridades e suas deficiências, sua posição de minoria, tudo aquilo que os torna especiais no sentido de diferentes da norma.

Bel que já apresentou no festival panorama, “Isabel Torres” e “Cedric Andrieux”, ambos sobre as trajetórias dos dois bailarinos que dão título à peça, dessa vez cria uma peça que permite múltiplas apresentações, trabalhando com não bailarinos. Nesta peça não epônima, não apresenta a trajetória profissional do grupo, mas sim apresenta a essência de cada um, de cada ator, sem máscaras, sem nenhuma representação.

 

Há uma liberdade cênica balizada apenas por algumas proposições do autor que coloca em cena uma pessoa que faz as colocações e intervenções que ele pensou pra construir e tecer a dramaturgia da obra.

Cada um dizia seu nome, sua idade e sua ocupação, em um segundo momento cada um podia dizer sobre sua deficiência e nesse instante a plateia é brindada com explicações desde as mais científicas até as mais pessoais e sinceras como um simples “não sei”.

 

Em se tratando de dança, ele convoca cada um a criar um solo, com os movimentos que quiserem, com as musicas que quiserem. Coisas surpreendentes surgem sobre o palco, embaladas sobretudo por muita música eletrônica e pop. Esse momento é o ponto alto, de maior manifestação do público e talvez o mais reflexivo para as questões da dança. Muitos solos têm em comum alguns elementos como: repetições, giros com os braços abertos e um vigor cênico.

 

É nítido nesse momento uma busca da maior parte dos participantes em mostrar e fazer algo que seja espetacular e nisso podemos vislumbrar o que é um senso comum na dança, uma dança como uma entidade que não permite algo simplório, básico, cotidiano. Entramos na questão do virtuosismo, ele ainda visto como aquele que dá legitimidade ao movimento sobre um palco enquanto dança? Embora não seja essa uma questão do espetáculo em si é uma questão que ele suscita quando vemos o empenho em fazer algo diferente, incomum, incrível e difícil. Muito comum também em quase todos os solos é uma noção do grande final. E o que esse empenho e a construção desses solos revela? Um ponto forte que norteia o espetáculo, onde somos apresentados e confrontados com nossos paradigmas, que são mais deficientes que os atores em cena, Bel nos apresenta um apesar de, pois apesar de qualquer tipo de distúrbio ou deficiência todos ali são seres humanos com capacidades incríveis, por diversas vezes cogitei da minha cadeira que se esses movimentos fossem feitos por bailarinos dentro das normas e padrões que consideramos enquanto sociedade como habitual e adequado o quanto de potência isso teria? Haveria estranhamento? Haveria uma supervalorização e aplausos em “pontos altos” ou clímax coreográfico? A diferença deles torna o público e suas reações diferentes? São questões a serem discutidas e repensadas.

 

No que se refere aos portadores de necessidades especiais, este trabalho revelou elementos para reavaliar nossos preconceitos e pensar na “deficiência” como uma potencialidade a ser desenvolvida para a sociedade. É um manifesto dedicado a essas minorias dando voz e empoderamento e não estigmatizada. É um choque de uma realidade que é soterrada, um tapa na c.

 

Criativos e lúcidos esses atores tem liberdade e um incrível senso do humor que arranca gargalhadas, no encadeamento do espetáculo são ainda interrogados sobre sua visão sobre aquilo que fazem, sobre o que acham da peça da qual constituem o centro do processo. As respostas fazem passar do riso ao desconforto nos confrontando com uma realidade onde eles mesmos – dando voz a si e as suas famílias – intitulam o próprio espetáculo de circo dos horrores e freak show.

 

Disabled Theater levanta questões relevantes sobre a representação da deficiência no domínio público e apresenta uma obra maravilhosamente viva, brutalmente honesta e altamente provocante.

por Eloá Chaignet

Foto: © CLAP